“Psi” 2ª temporada: entrevista com Thiago Dottori

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Devido ao lançamento ano passado da primeira temporada de Psi, o blog O Roteiro publicou uma entrevista (parte 1 e parte 2) com o roteirista Thiago Dottori, responsável por escrever os episódios com o criador e diretor geral do projeto, o psicanalista e escritor Contardo Galligaris.

Os episódios giram em torno de Carlo Antonini, um psicanalista atraído pelos casos mais complexos e intrigantes.

Psi recebeu neste ano duas indicações ao Emmy Internacional: melhor série dramática e melhor ator para Emilio de Mello, que interpreta o protagonista Carlo.

A segunda temporada acaba de estrear na HBO.

Novamente conversei com Thiago Dottori para saber das alterações em relação aos primeiros episódios, a atuação de Contardo como showrunner, como é escrever uma série no Brasil e quando o país produzirá um título “avassalador”.

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O ROTEIRO – A segunda temporada, pelo menos até o quarto episódio, parece se preocupar muito mais com certo dinamismo, fazendo Carlo se envolver bastante com crimes e até mesmo se relacionar com um hermafrodita. Quais as principais mudanças de estrutura e linguagem para a nova leva de episódios e por quê?

THIAGO DOTTORI – Apesar de ser uma série procedural, eu e Contardo tentamos fixar alguns conceitos que amarram cada temporada (não só a série como um todo). Na primeira, havia um norte: Carlo não se interessava por pacientes comuns – todos os episódios tinham essa perspectiva, só os casos mais “fora da curva” faziam seu olho brilhar e podíamos brincar com a pergunta: o que é normal? O que não é normal? Essa pergunta permeava tudo. A normalidade dos anormais.

Agora, que Carlo volta analisado, ficamos com vontade de trabalhar em outro sentido. Para a segunda temporada, nós queríamos “esticar a corda” do drama. Então, há um conceito que permeia a temporada, que é uma discussão em torno da violência. Em todos os episódios, a violência é, de alguma maneira, o centro do drama. E não é só a violência física, mas também a violência psicológica. E a relação do desejo, com a solidão e também com a violência.

Acho que a partir dessa ideia, o engajamento de Carlo com os casos acontece ainda sob a perspectiva da psicanálise, claro, esse é o conceito fundamental da série, mas também ganha esse dinamismo, ficaram mais quentes, com mais ação mesmo e menos discurso.

Em entrevista ano passado, você detalhou o processo de escrita da primeira temporada. Vocês mudaram muito esse trabalho? Apenas você e Contardo escreveram os episódios? Foi mais fácil ou difícil construir os novos episódios?

Sim. Apenas eu e Contardo, novamente, escrevemos todos os episódios. A gente achou que seria mais fácil, porque já tínhamos a primeira temporada como experiência, mas não sei por qual razão, foi mais difícil. O procedimento foi mais ou menos o mesmo, vamos evoluindo do conceito, para as sinopses, escaletas, roteiros… nos encontramos todas as semanas, alguns dias, mas no processo mudamos muito de caminho, derrubamos alguns episódios já quase inteiramente escritos (4 ao todo) para escrever outros. E também houve essa mudança de 13 episódios para uma temporada de 10. Mas mesmo, teoricamente, com 30% menos trabalho, foi um pouco mais difícil escrever essa temporada. Mas, de novo, não me pergunte por quê.

Como a série tem muitos diálogos, existe essa preocupação de escrever “cinematograficamente”, ou seja, não deixar apenas as pessoas falando? Pensam em movimentos para os personagens ou composições visuais que ajudem a contar a história, mesmo quando estão confinados num consultório?

Pensamos muito nisso, tentamos sempre tirar do discurso e pensar em como resolver com imagem. Quando vem uma ideia para a série, a primeira pergunta é: onde tem cinema nisso? Ainda que o processo “psi” se dê através da fala, procuramos isso e acho que encontramos grandes sequências absolutamente visuais. Num dos episódios, há uma sequência de 10 minutos sem fala.

Tem aí também uma questão de personagem. Carlo, que voltou a se analisar em Veneza (elipse entre as duas temporadas) está menos tagarela também. Mas mesmo quando estamos muito dentro do consultório também pensamos em soluções visuais – como no episódio do Paciente Americano, por exemplo, em que criamos uma série de narrativas para o que estava sendo dito ali.

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Contardo Galligaris, criador e co-autor da série, parece que assumiu outras responsabilidades na segunda temporada, atuando como showrunner. É isso mesmo? O que significa isso para a série?

Sim. O Contardo assumiu essa responsabilidade e atuou como showrunner, o que no Brasil é traduzido como “direção geral”. Eu penso o seguinte: você passa, quando escreve uma série, muito, muito tempo escrevendo. Nessa temporada acho que ficamos em torno de um ano. Você pensou cada cena, cada personagem. Escreveu e reescreveu, você sabe. Não tem como outra pessoa saber mais sobre aquele mundo do que quem esteve escrevendo. Então deveria ser natural que os escritores participassem do processo de produção, ou ao menos um deles, especialmente o criador. Como também entram muitos diretores – são 5 diretores nessa temporada – a figura do escritor como diretor-geral, ou showrunner, ajuda a dar unidade à série. E os diretores podem ficar focados em “apenas” dirigir o episódio (o que já é muita coisa!), enquanto o criador se certifica e trabalha junto com ele no sentido das cenas, na escolha de elenco e tudo mais. Acho que a série ganha.

Você consegue identificar quais são os grandes acertos que levaram a primeira temporada a ser indicada ao Emmy Internacional?

É curioso, porque no Brasil a série não teve muito êxito em prêmios locais. Mas ano passado fomos escolhidos como a melhor série à cabo na Argentina e, agora, essa indicação ao Emmy, tanto da série como do Emilio como melhor ator. Eu tenho algumas impressões: 1 – a gente aposta numa série um pouco mais fria, como estilo de interpretação, menos melodramática. Você repare na construção desse personagem, como o Emilio conduz tudo. Não digo que isso é melhor que outra coisa, mas é algo mais próximo de um estilo que pode ter feito a cabeça de um júri internacional (e eu realmente acho que esse estilo da série, mais seco e que a gente pensa que é “mais adulto”, em vez de esvaziar o drama, o eleva). Outro ponto bastante positivo, penso eu, da série, é a qualidade dos temas e a profundidade com que a gente aborda. Mostramos personagens tabu – um pedófilo, uma mãe que machuca seu bebê, por exemplo – e fizemos isso de maneira complexa, não panfletária nem condenatória, exatamente. Acho que são pontos positivos da série. Mas eu gostaria que o critério fosse basicamente “ótimas histórias bem contadas”.

Você tem alguns episódios favoritos dessa nova temporada? E por quê?

Eu tenho um roteiro favorito, que é o do episódio 6, que a Lais Bodansky dirigiu. Desde a ideia, desde a origem da ideia, foi o episódio que mais me tocou, a estrutura de roteiro que eu mais gostei de levantar, enfim, tem um monte de coisas relacionadas a esse episódio que me pegam, me emociona bastante, mas eu vou evitar spoilers. Outro muito interessante foi o episódio “Paciente Americano”, já exibido, pela característica do personagem – a ausência de neurose. Isso me fez refletir um monte e de alguma maneira invejá-lo.

Vocês recebem muitas notas da produção e dos executivos da HBO depois que o roteiro fica pronto? Como é esse processo de aprovação?

A HBO não exatamente manda notas ou aprova o roteiro pronto. Eles são parceiros mesmo de todo o processo de criação dos roteiros – e depois dos episódios, mas disso eu participo menos. Mas, com relação ao roteiro, eles estão com a gente desde a primeira hora. Fazemos dezenas de reuniões com o Roberto Rios e a Maria Ângela, desde a concepção da temporada, passando pelas sinopses, escaletas e versões do roteiro. Eles têm um olhar muito atento e experiente. E melhor: muitas vezes, estimulam a gente a ir mais fundo em temas e cenas que eu, por exemplo, teria até pudor em escrever.

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Vocês participam do processo de escolha de elenco, direção, filmagem e edição?

Eu costumo participar mais do processo de elenco, indico muitos atores para ao menos fazerem testes. Depois disso, eu vou tocando outros trabalhos e fico sem tempo mesmo para acompanhar o dia a dia de filmagens. Mas o Contardo, como showrunner, ou diretor geral, evidentemente, participou ativamente, coordenando tudo isso, até a edição final.

Ano passado, você disse que algumas das suas séries preferidas eram Game of Thrones, House of Lies, Veep, Silicon Valley, Newsroom, Breaking Bad, Sherlock etc. Alguma nova no radar?

A última temporada do House of Lies me decepcionou um pouco. Era uma das minhas preferidas. Eu gostei de Narcos, achei o Wagner Moura brilhante e a história incrível. Se eu não tinha citado, preciso citar Ray Donovan. E gostei bastante do Better Call Saul. Ando meio clichê e com pouco tempo por causa da filha pequena… rs…

Como vê hoje o mercado brasileiro de séries com o advento dos núcleos patrocinados pelo governo federal, o anúncio da primeira produção nacional para o Netflix e essa aparente crise nos folhetins da Globo? Poderemos ter uma era de ouro para nossas séries? Você destaca algumas que estão no ar ou tem expectativa sobre alguns projetos?

É evidente que esse é um mercado cada vez mais interessante e atraente. Alguns anos atrás, se alguém pintasse esse cenário, qualquer um diria que é um cenário dos sonhos. O volume de trabalho para roteiristas e diretores de ficção cresceu muito, o que é ótimo pra todo mundo. Eu só discordo um pouco dessa crise da novela. É uma crise de algumas novelas, mas não do formato. Claro, ninguém faz 100% de share, mas se você somar, por exemplo, a audiência de três novelas ao ar no mesmo horário, dá mais de 50 pontos. Isso é ainda uma potência muito grande. Esse recorte de achar que as séries vão superar as novelas, acho eu, é um recorte de classe. Como nós assistimos muito, achamos que o Brasil inteiro é assim. Não acho que fizemos nenhuma série que chegue perto do impacto da novela com menor audiência – talvez Vai que Cola. Série, acho, é mais de nicho. Tenho a maior expectativa em cima de 3%, desde 2009. O Pedro Aguilera é muito talentoso e acho que ele vai arrebentar. Com relação aos núcleos, eu tive a sorte de ser líder de um núcleo contemplado e tem sido uma experiência magnífica. Espero que saia daí uma série avassaladora em algum momento.

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