O fim surpreendente e inevitável de “Mare of Easttown”

“Mare of Easttown”, série criada por Brad Ingelsby e transmitida pela HBO, chegou ao fim e conseguiu o feito de agradar todo mundo (até mesmo o pelotão de fuzilamento das redes sociais). E olha que estamos falando de uma trama policial em que a descoberta do(s) culpado(s) gera apostas, torcidas e, claro, frustrações.

Como o negócio todo ainda está fresquinho e, em alguns casos, spoilers realmente irritam, deixo para depois qualquer comentário mais pontual sobre o satisfatório fim. Mas ele teve aquela deliciosa sensação de ser “surpreendente e inevitável” (um termo ótimo, que se me lembro bem foi usado por alguém que admiro ao se referir a um conto do Cortázar – ou algo assim, o importante é que não inventei essa definição).

Como frisou Ingelsby em algumas entrevistas, ele sabia desde o início quem iria para a cadeia, pois os motivos do assassino definem o tema da série (que coisa linda esses roteiros que o fim já está anunciado desde o início, a gente é que se entretém tanto que nem repara nele).

Além de ser um trabalho impecável de dramaturgia policial, com uma protagonista complexa (mas real, sem traços de genialidade, autismo ou doenças psicológicas severas), personagens interessantes e convincente recriação do cotidiano de uma cidadezinha da Pensilvânia (EUA), temos um tema empático e universal: a superação do luto. A história de “Mare of Easttown” pode nos levar para uma empolgante e violenta trama de mistério e assassinato, mas o que carrega a impressionante atuação de Kate Winslet (Mare) é a impossibilidade de lidar com a morte do filho. É essa a sua verdadeira busca.

Quando estiverem limpos de mais esse vício, vale a pena ler essa entrevista curta que o autor deu para a “The Hollywood Reporter”. Como bom contador de histórias, ele reservou algumas surpresas e explica como “Boogie Nights” (1997), de Paul Thomas Anderson, foi uma das referências para a série.

“Mare of Easttown” é excelente e passa com elegância pelos três princípios de Ann Hornaday, que uso constantemente para começar a pensar numa crítica ou opinião mais sólida.

Hornaday é crítica de cinema do “The Washington Post” e teve seu delicioso “Como Falar Sobre Cinema” publicado agora em português pela Best Seller. No início da sua trajetória para escrever sobre filmes, ela teve dicas preciosas do amigo e colega David Friedman. “Antes de escrever qualquer crítica”, disse David, “faça três perguntas a si mesma: ‘O que o artista queria alcançar?’, ‘Ele foi bem-sucedido’ e ‘Valeu a pena?”’.

Depois, Hornaday descobriu que o sujeito estava parafraseando Goethe, que usava mais ou menos as mesmas interrogações ao analisar peças de teatro. De qualquer maneira, são esclarecedores pontos de partida. E as respostas costumam representar com precisão nossa opinião.

Fazendo o teste com “Mare of Easttown” e parafraseando Hornaday, já que ela estava falando sobre filmes, Ingelsby alcançou o que queria, foi bem-sucedido e, puxa, valeu cada noite de domingo.

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LIVRO

  • É possível encontrar muitos ecos de “Mare of Easttown” em um “Longo e Claro Rio”, de Liz Moore (por enquanto editado no Brasil apenas para os assinantes da TAG). A protagonista é Mickey, uma investigadora do departamento de polícia da Filadélfia, maior cidade da Pensilvânia. Como na série da HBO, aqui também temos uma mãe destemida, um assassino e sequestrador de mulheres jovens e a crise dos opioides ditando forte os hábitos dos norte-americanos.

VÍDEO

Abaixo, sátira da série pela turma do “SNL”.

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