“Trying”, “Mythic Quest”, “Physical” e as séries que – quase – ninguém vê

No universo caótico e muitas vezes incompreensível que estamos vivendo, há pelo menos uma certeza: vamos morrer… sem assistir a todas as séries que nos recomendam. Por mais que tente acompanhar o hype, é impossível estar em dia com as dezenas de títulos lançados a cada temporada.

Eu sei que lá no começo da pandemia você pensou: “Arrá! Agora vou conseguir tempo para maratonar tudo. Pode me oferecer o cardápio completo, senhor Algoritmo! Sou um Deus que controla o próprio tempo”. E provavelmente deu uma risada diabólica.

Hoje está aí, na sarjeta, junto com todos aqueles que não se conformam em perder mais um episódio porque precisa dormir, trabalhar, cuidar das crianças, comer, acompanhar a CPI da Covid, comprar mais máscaras para protestar contra o governo, ficar de olho na fila da vacina etc.

O pesadelo atual é ouvir de alguém numa reunião do Zoom: “E aí? O que acharam do último episódio de ______?” Preencha a lacuna com qualquer uma das 4567 séries que estão dominando o trending topics das redes sociais e você não viu ainda. O que fazer? Fingir demência, derrubar o link ou repetir a opinião alheia?

Eu encontrei uma saída digna para o dilema. Como sou fã da ciência, testei e posso confirmar que dá resultado. O remédio: veja séries que estão fora do circuito, que quase ninguém por aqui comenta, mas são ótimas.

É tiro certo. Rouba o assunto para você, faz todo mundo anotar um novo título (ou seja, joga angustia para os coleguinhas) e ainda vira influencer.

A Apple TV+ é um excelente lugar para passar as noites e finais de semana atrás de algumas ótimas séries curtas que parecem fora do radar.

“Trying”, criada por Andy Wolton, traz o afiado humor negro inglês para falar sobre Jason (Rafe Spall) e Nikki (Esther Smith), um casal que mora em Londres e pretende adotar uma criança. A primeira temporada foi mais expositiva, esquemática e engraçada, mostrando como a dupla não estava preparada para encarar a via-sacra da adoção.

A química entre a dupla principal funciona, os coadjuvantes seguram as tramas paralelas e o humor surge doce, arrancando sorrisos ternos. Os episódios versam mais no terreno da comédia romântica (será que eles vão sobreviver convivendo com a paranoia da adoção?).

Já na segunda temporada, os dramas familiares são mais aprofundados. Tudo fica um pouco menos cômico e surge uma certa amargura para deixar “Trying” mais maduro. A lupa recai sobre a rotina dos casais (o tal mundo adulto) e como os casamentos resistem a essa convivência entre pessoas tão diferentes.

A narrativa da adoção fica em compasso de espera, já que a dupla foi aprovada, mas agora tem que aguardar a criança que melhor se encaixa no perfil deles.

“Mythic Quest”, também na Apple TV+, ganhou certa relevância nesta segunda temporada. Porém ainda não encontrou a devida repercussão. É uma perfeita “workplace comedy” para a geração Z. Atualiza “The Office” para os jovens e há muitos “millennials cringe” na trama.

Vergonha alheia é o que não falta nesse tipo de humor escrachado. As relações desenvolvidas num ambiente de trabalho quase sempre são cringe. Quando você junta uma molecada que desenvolve games, criadores de histórias mais velhos e um local onde é normal vestir uma armadura medieval, naturalmente a graça nasce.

A série tem uma regularidade impressionante. Não inventa a roda, mas consegue trabalhar com os arquétipos e desvendar com boas sacadas o novo universo do trabalho na área tecnológica (algo que “Silicon Valley” fez com louvor).

As aventuras de Ian Grimm (Rob McElhenney, também um dos criadores da série), Poppy Li (Charlotte Nicdao), David (David Hornsby), Brad (Danny Pudi) e C.W. Longbottom (o estupendo F. Murray Abraham) para comandar uma empresa que desenvolve games deve começar a atrair cada vez mais audiência pelos seus temas contemporâneos. Os prêmios também merecem chegar, pois na segunda temporada alçaram alguns voos narrativos exuberantes, como um episódio (escrito por Craig Mazin, de “Chernobyl”) contando a trajetória de Longbottom, o escritor do jogo que fez a fama da empresa.

E tem mais. Recentemente a Apple TV+ estreou “Physical”, de Annie Weisman, com uma interessante, agressiva e desbocada protagonista: Sheila Rubin (a magnífica Rose Byrne), dona-de-casa de San Diego que começa a surfar nas benesses da aeróbica dos anos 80.

Infeliz e compulsiva, ela vê a oportunidade de sair da sombra do marido (Rory Scovel, numa composição deliciosamente desagradável) ao mergulhar nas aulas de ginástica com música. O voice over de Byrne é a grande sacada da trama. Ali, ela fala o que realmente pensa sobre cada um dos trastes que a rodeiam.

Para explorar outras frentes, existe a essencial “The Underground Railroad”, de Barry Jenkins, na Amazon. Mas essa vale outro texto – assim como “Amiga Genial”, da HBO, sempre com temporadas brilhantes que passam despercebidas.

LINK

O “New York Times” listou as melhores comédias do século 21.

A “Hollywood Reporter” fez a relação dos melhores filmes do ano até agora.

Deixe um comentário

Blog no WordPress.com.

Acima ↑