Dois bons efeitos colaterais da pandemia: “The White Lotus” e “Ted Lasso”

Só vamos descobrir qual o real impacto da pandemia de Covid-19 nas narrativas audiovisuais daqui a alguns anos (décadas?). Ainda é cedo para dizer se teremos uma enxurrada de histórias sobre o luto e as mudanças sociais, políticas e psicológicas provocadas pela doença. Continuamos tateando maneiras de falar sobre o trauma.

Por enquanto, algumas obras abordam o tema com certa timidez (personagens usam máscaras, como em “This Is Us”), chutes (o caso da novela “Amor de Mãe”, que arriscou uma solução para a crise) e força melodramática (os médicos de “Sob Pressão”). Mas não dá para dizer que filmes e séries estão contaminados pelo assunto.

A primeira pergunta que nós, roteiristas, fazemos quando desenvolvemos um projeto contemporâneo é: com ou sem Covid na história? Na dúvida, melhor desencavar aquele pitching sobre a turma de jovens no primeiro Rock in Rio (um longa sobre juventude e amadurecimento no longínquo e esperançoso ano de 1985) ou a série futurista em que os bisnetos (gerados por computador) de Richard Branson e Jeff Bezos disputam quem vai governar Saturno.

Há receio de escrever algo que envolva a pandemia e, amanhã, ser taxado de datado, tonto e baixo-astral. Basta pensar no roteirista (com certeza existe um) que deletou uma trama maluca envolvendo a China e a criação do vírus da Covid-19 com medo de ser acusado de trumpista e paranoico ano passado. Pois bem, aquela mesma história hoje começa a soar quase como um documentário. 

Pelo menos temos dois ótimos efeitos colaterais da pandemia: “The White Lotus” (HBO) e “Ted Lasso” (Apple TV+).

A primeira é uma estranha comédia criada, escrita e dirigida por Mike White, um roteirista, diretor e ator que há dez anos conseguiu transformar “Enlightened” (HBO) em cult. No meio de uma entressafra (ou seja, estava com projetos recusados), ele recebeu um e-mail de executivos da HBO perguntando se ele teria alguma coisa rápida, barata e fácil de produzir por causa das atuais condições de produção. E assim ele emplacou esse mistério que se passa num resort de luxo no Havaí. Sem o caos global da saúde, provavelmente esse material continuaria navegando apenas nos neurônios de White.

Com um casting preciso, fotografia acachapante e um tom beirando o nonsense, as histórias de hóspedes e funcionários se cruzam de formas inusitadas enquanto tentamos descobrir de quem é o cadáver anunciado na primeira cena da série.

Nessa entrevista para a “New Yorker”, Mike White conta mais sobre seu processo de escrita, o trabalho de ator e a paixão por reality shows.

Já “Ted Lasso”, criada por Jason Sudeikis, Brendan Hunt, Bill Lawrence e Joe Kelly, chega com sua segunda temporada depois de ser coroada como a série ideal para a gente esquecer das desgraças do mundo.

Derivada de um personagem desenvolvido para esquetes na NBC Sports, emissora dos EUA, “Ted Lasso” narra as peripécias de um técnico de futebol americano universitário contratado para treinar um time de futebol da Premier League.

Além de abordar as cômicas diferenças entre ingleses e norte-americanos pelo prisma do esporte, os episódios também mostram um protagonista gentil, honesto e até mesmo ingênuo (mas inteligente).

No meio da incredulidade diante do número de mortos (muitos gerados pela ignorância) e com a disseminação de um futuro trágico para a humanidade, Ted Lasso representa um bálsamo, alguém capaz de curar sendo generoso e empático (qualidades que parecem extintas no cotidiano); um homem de ouvidos atentos e avesso a qualquer brutalidade física e emocional.

Com o boca a boca, a série conquistou prêmios e novas temporadas. Ao mediar os conflitos com leveza, Ted Lasso se tornou a pessoa certa na hora certa. Para tempos difíceis, nada como um pouco de graça.

Nessa entrevista para o “The New York Times”, Sudeikis, Hunt e Lawrence falam sobre como estruturam a série e a surpresa que tiveram ao descobrir que Lasso se tornou popular.

Quem diria. Um ano depois de sua estreia, precisamos mais do que nunca da suavidade e paciência de Lasso.

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